A Convenção de Condomínio pode proibir locações por temporada?

No último texto publicado pelo nosso escritório, abordamos a possibilidade de um inquilino sublocar um imóvel, disponibilizando-o no AirBnB, destacando a necessidade de solicitar a aprovação prévia e por escrito do proprietário do imóvel autorizando a sublocação, bem como a atenção às regras condominiais.
Diante destas observações, alguns dos leitores nos enviaram um interessante questionamento: As regras condominiais podem vedar a sublocação de um imóvel, mesmo que tenha havido consentimento do proprietário? Isso não fere os direitos de propriedade e posse?
Tudo indicaria que sim. Afinal, por que o condomínio poderia limitar o direito que um proprietário, ou inquilino, tem de locar/sublocar o imóvel? É certo que a propriedade é um direito fundamental inviolável, previsto no art. 5º da Constituição Federal.
Entretanto, antes de adentrar no cerne da questão, vale destacar que a Lei nº 8.245/91 prevê modalidades diferentes de locação: a locação residencial, a locação para temporada[1] e a locação comercial. No caso do AirBnB, na grande maioria das vezes a locação se enquadra no modelo de locação por temporada, sem ultrapassar o prazo de duração de 90 (noventa) dias.
Assim, para entendermos as vedações às locações e sublocações impostas aos moradores, é necessário perceber que a finalidade de um condomínio é determinada tanto em seu registro de incorporação, quanto na Convenção. Isso significa que, se aquele condomínio tiver a finalidade residencial, alguns tribunais entendem que sim, pode haver vedação à locação por temporada, já que esta teria um caráter mercantil - da mesma forma que haveria a limitação de locação de um apartamento residencial para funcionar como loja, por exemplo.
É importante frisar que o entendimento dos tribunais não é consolidado nesta matéria. Alguns entendem que se a finalidade do prédio for residencial, não é possível a sua exploração comercial através da reiterada locação por temporada, por configurar “uso nocivo da propriedade” e, conforme o caso, também por expor os demais moradores a problemas de segurança, como exposto abaixo:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. CONDOMÍNIO RESIDENCIAL. LOCAÇÃO POR TEMPORADA DE CÔMODOS EM APARTAMENTO. VIOLAÇÃO À CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO. EDIFÍCIO EXCLUSIVAMENTE RESIDENCIAL. USO NOCIVO DA PROPRIEDADE. UTILIZAÇÃO DO IMÓVEL DE MANEIRA PREJUDICIAL À SEGURANÇA, SOSSEGO E BEM ESTAR DOS DEMAIS CONDÔMINOS. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Hipótese em que a ré/agravante promove a locação de cômodos de seu apartamento a pessoas estranhas ao condomínio por curto período de tempo (dias, semanas), mediante veiculação de anúncios e propagandas em sites da internet, com a alteração do nome do condomínio para “ART SUÍTES HOME BOA VIAGEM BEACH”. Tal atividade denota prática nitidamente comercial, destinando o apartamento da agravante a espécie de hospedaria/albergue, o que é vedado pela convenção condominial, que atribui caráter exclusivamente residencial do edifício e veda a destinação diversa das suas unidades imobiliárias. 2. Nos termos do art. 1.333 do Código Civil, a convenção de condomínio é obrigatória a todos os titulares de unidades imobiliárias no edifício “dar ás suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes”. 3. Presentes os requisitos do art. 273 do CPC/1973 (vigente à época da decisão agravada) autorizadores da concessão de tutela antecipada, quais sejam, a verossimilhança das alegações do condomínio autor / agravado, consubstanciada na demonstração da prática comercial semelhante à hotelaria realizada pela agravante e da existência de vedação na convenção condominial quanto à destinação não residencial aos apartamentos do edifício e à sua utilização nociva aos demais condôminos; bem como o risco de dano irreparável e de difícil reparação, verificado através do perigo à segurança, tranquilidade e bem estar dos demais condôminos do edifício, a exemplo do incidente já relatado nos autos envolvendo hóspedes e porteiro. 4. Recurso a que se nega provimento para manter a decisão interlocutória agravada, ressaltando-se que fica vedada a locação por temporada do imóvel da agravante nos moldes atualmente praticados (aluguel de cômodos separados no apartamento para pessoas estranhas ao condomínio, por curto período, em alta rotatividade), seja ela proveniente de publicidade veiculada em sites da internet ou qualquer outro meio.
(TJ/PE. AI 4295245, 5ª Câmara Cível, Rel.: Des. José Fernandes, Data de Julgamento 08/06/2016, Data de Publicação 27/07/2016.)
Na decisão acima, fica claro que o parâmetro principal foi o fato de que a locação por temporada se configurar como prática comercial incompatível com a finalidade residencial do condomínio, o que acaba por gerar transtornos como insegurança e perturbação aos residentes. Ademais, levou-se em consideração que a sublocação se assemelhava à hotelaria, já que havia alta rotatividade de hóspedes por um curto período de tempo.
Por outro lado, existem decisões que entendem que a locação por temporada não pode ser vedada por convenção condominial, em razão de afronta ao direito de propriedade:
(...) TAXA DE LOCAÇÃO DE TEMPORADA. ILEGALIDADE E ABUSIVIDADE. TAXA CRIADA COM O ESPECÍFICO PROPÓSITO DE SER UMA "MEDIDA DE PREVENÇÃO PARA LOCAÇÕES DE TEMPORADA". AFRONTA AO DIREITO À PROPRIEDADE. POSSIBILIDADE DE LOCAÇÃO DO IMÓVEL PARA TEMPORADA. EXPRESSA PREVISÃO NA LEI DE LOCAÇÃO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE USO INDEVIDO DO IMÓVEL. NÃO ESPECIFICAÇÃO DE CONDUTAS INDEVIDAS PELOS LOCATÁRIOS. COBRANÇA ANTECIPADA POR EVENTUAIS DANOS SUPORTADOS QUE CONSTITUI ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DO CONDOMÍNIO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.(TJ-PR - APL: 13193025 PR, Relator: Guilherme Freire de Barros Teixeira, Data de Julgamento: 12/03/2015, 8ª Câmara Cível, Data de Publicação: 16/04/2015)
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ANULATÓRIA – CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO – PROIBIÇÃO DE LOCAÇÃO POR TEMPORADA – MULTA APLICADA AO CONDOMÍNIO – IMPOSSIBILIDADE – AFRONTA AO DIREITO À PROPRIEDADE – LOCAÇÃO DO IMÓVEL PARA TEMPORADA EXPRESSAMENTE PREVISTA NA LEI DE LOCAÇÃO – AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE USO INDEVIDO DO IMÓVEL OU DESVIO DE FINALIDADE – SENTENÇA MANTIDA RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO (TJ-PR – APL: 1602433-0, Rel. José Augusto Gomes Aniceto – Unânime – Data de Julgamento: 23/02/2017)
Ou seja, resta evidente que não há um entendimento consolidado pelos tribunais sobre o assunto, e que cada caso deve ser analisado individualmente – o ponto principal é que não se pode comparar (sub)locações por temporada esporádicas com práticas que tornam o imóvel equivalente a um hotel.
Assim, devem ser levados em consideração os detalhes pertinentes a cada situação para que se verifique (i)legalidade de vedação por parte do condomínio ao aluguel por temporada.
De toda sorte, é sempre recomendável a consulta às Convenções de Condomínio antes de considerar o investimento imobiliário para sublocação, ou, antes de disponibilizar o imóvel para locação por temporada em aplicativos.
[1] Lei de Locações, Art. 48. Considera - se locação para temporada aquela destinada à residência temporária do locatário, para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel, e outros fatos que decorrem tão-somente de determinado tempo, e contratada por prazo não superior a noventa dias, esteja ou não mobiliado o imóvel.