A vedação a mais de uma garantia nos contratos de locação

A assinatura de um contrato de locação é uma experiência pela qual praticamente todos nós passamos, seja como proprietário, locatário, pessoa física ou enquanto representante de uma empresa. Apesar de ser algo corriqueiro, a Lei de Locações prevê alguns detalhes pouco conhecidos da maioria das pessoas.
Dentre as inúmeras peculiaridades da Lei de Locações, trataremos especificamente das garantias passíveis de serem exigidas em um contrato. Trata-se de garantias estabelecidas em favor do locador (proprietário do imóvel), e significam que, caso o locatário deixe de pagar as obrigações assumidas, haverá, por exemplo, um seguro-fiança, um valor depositado (caução), ou mesmo um fiador que garantirão o recebimento dos valores devidos. Neste texto abordaremos a limitação do uso simultâneo destas garantias no contrato.
O art. 37 da Lei 8.245/91 (Lei de Locações) prevê as seguintes modalidades de garantia:
Art. 37. No contrato de locação, pode o locador exigir do locatário as seguintes modalidades de garantia:
I - caução;
II - fiança;
III - seguro de fiança locatícia.
IV - cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento.
Parágrafo único. É vedada, sob pena de nulidade, mais de uma das modalidades de garantia num mesmo contrato de locação.
Ante à leitura do artigo acima, destacamos que, apesar dele estabelecer mais de uma modalidade de garantia, contém uma importante ressalva em seu parágrafo único: “É vedada, sob pena de nulidade, mais de uma das modalidades de garantia num mesmo contrato de locação”, o que importa dizer que, nos contratos de locação, somente é possível a utilização de uma modalidade de garantia por vez.
Aliás, além da vedação à utilização de mais de uma garantia, que pode levar à nulidade da cláusula, conforme o caso, a Lei prevê que tal conduta é contravenção penal, punível com prisão:
Art. 43. Constitui contravenção penal, punível com prisão simples de cinco dias a seis meses ou multa de três a doze meses do valor do último aluguel atualizado, revertida em favor do locatário:
II - exigir, por motivo de locação ou sublocação, mais de uma modalidade de garantia num mesmo contrato de locação;
Seguindo a determinação legal, os tribunais do país firmaram entendimento no sentido de invalidar cláusulas que estipulam mais de uma garantia, fazendo prevalecer apenas a primeira delas:
DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE LOCAÇÃO POR TEMPO DETERMINADO. DUPLA GARANTIA. NULIDADE DAQUELA EXIGIDA EM SEGUNDO LUGAR. PRORROGAÇÃO LEGAL POR PRAZO INDETERMINADO. FIANÇA. EXONERAÇÃO AUTOMÁTICA. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO-OCORRÊNCIA. SÚMULA 83/STJ. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO.
1. A exigência de dupla garantia em contrato de locação não implica a nulidade de ambas, mas tão-somente daquela que houver excedido a disposição legal.
2. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do EREsp 566.633/CE, ocorrido em 22/11/06, firmou o entendimento de que, havendo cláusula expressa no contrato de aluguel de que a responsabilidade do fiador perdurará até a efetiva entrega das chaves do imóvel objeto da locação, não há falar em desobrigação deste, ainda que o contrato tenha se prorrogado por prazo indeterminado.
3. "Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida" (Súmula 83/STJ).
4. Recurso especial conhecido e improvido.
(REsp 868.220/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 27/09/2007, DJ 22/10/2007, p. 360)
Não há nulidade de ambas as garantias, ou, sequer, da integralidade do contrato – apenas daquela que houver excedido a disposição legal. Assim, o conhecimento dessas peculiaridades da legislação é essencial tanto para o locador quanto para o locatário. Isso porque, para o proprietário do imóvel, por exemplo, caso haja estipulação de dupla garantia, pode ser levado a acreditar que, ao utilizar a caução para pagamento dos valores de aluguel em aberto, ainda teria outra garantia para quitação de despesas descobertas, o que não se sustentaria em juízo. O inquilino, a seu turno, também deve estar ciente desses detalhes a fim de não permitir a exigência de vantagens indevidas, excessivamente onerosas por parte do locatário, negociando, assim, o contrato antes de sua entrada no imóvel.
O objetivo de qualquer contrato é, além de delimitar as “regras do jogo”, permitir que os problemas que venham a surgir possam ser resolvidos com base no que foi estipulado, evitando o desgaste da negociação entre os interessados. Entretanto, ambas as partes devem estar cientes que, mesmo havendo previsão contratual, se a estipulação for feita em contrariedade à legislação, poderá ser invalidada em discussão judicial.