A aplicabilidade prática do instituto da renúncia à propriedade
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A “renúncia à propriedade”, prevista no artigo 1.275, inciso II, do Código Civil, parecia, durante a universidade, um daqueles institutos cuja aplicabilidade prática seria impossível, um instituto cujo estudo se prestaria a fins meramente acadêmicos. Afinal, quem em sã consciência, renunciaria ao seu direito à propriedade? Pois bem, a correta aplicação do instituto resolveu um problema de longa data, compartilhado aqui.
Tratava-se de terreno adquirido na década de 70, nunca efetivamente ocupado, mas cujo pagamento do IPTU foi feito pontualmente, ano após ano. Pois bem, após algumas décadas, o adquirente do terreno faleceu, passando o mesmo ao espólio, que deu seguimento ao regular pagamento do tributo municipal.
A fim de garantir a partilha, os herdeiros passaram a buscar compradores para os imóveis do espólio. Para surpresa de todos, descobriu-se que este terreno em específico era cortado diagonalmente por um córrego, o que por si só já seria capaz de lhe retirar praticamente todo o valor de mercado, tendo em vista a previsão contida na legislação municipal sobre o recuo necessário de qualquer construção. Além disso, o terreno encontrava-se ocupado irregularmente por 8 famílias, de maneira que sua desocupação envolveria longas e custosas batalhas judiciais.
Assim, chegou-se à conclusão de que vender o imóvel seria impossível, por se tratar de zona não edificável. O problema de tudo isso é que, mesmo sem a possibilidade de se desfazer do terreno, o espólio permanecia (como sempre foi) responsável pelo pagamento de IPTU. Qual seria, então, a solução?
Cogitou-se de tudo: ações possessórias, doação à Prefeitura, ação declaratória de inexigibilidade de pagamento de tributos ante à invasão, dentre outras hipóteses. Finalmente, chegou-se à conclusão que a melhor opção seria uma simples renúncia à propriedade: era, de longe, a alternativa menos custosa, mais rápida e que garantiria aos herdeiros a desoneração quanto ao pagamento do IPTU.
A renúncia é hipótese de perda da propriedade prevista no art. 1.275, inciso II, do Código Civil, e o único requisito para sua consumação, nos termos do parágrafo único do mesmo dispositivo, é o registro “do ato renunciativo no Registro de Imóveis”. Contudo, o que deveria ser relativamente simples tornou-se uma verdadeira via crucis em cartórios, órgãos e secretarias do município onde se localizava o terreno (apenas a título de curiosidade: Colombo/PR).
A estratégia seria a seguinte: elaborar uma escritura pública de renúncia firmada por todos os herdeiros para, em seguida, averbá-la na matrícula junto ao Registro de Imóveis. Após a perfectibilização da renúncia junto ao foro extrajudicial, seria buscado o reconhecimento administrativo, por parte da Procuradoria do Município, que a perda da propriedade implicaria diretamente na inexigibilidade de pagamento de Imposto Predial e Territorial Urbano. Somente no caso de negativa do pedido administrativo a questão seria judicializada por meio de mandado de segurança.
Os primeiros questionamentos foram com relação aos requisitos para consumação da renúncia e em favor de quem ela se daria. Ora, a renúncia é ato unilateral e que dispensa motivação por parte do proprietário, de maneira que a única exigência legal para que se efetive a perda da propriedade é a averbação junto ao Registro de Imóveis. Por sua vez, a renúncia não é feita em favor de ninguém – se houvesse beneficiário, seria caso de doação. Talvez esta seja a maior peculiaridade do instituto: o bem a cuja propriedade se renuncia, no caso, o imóvel, torna-se res nulius, ou seja, vira literalmente “coisa de ninguém”.
Superada a falta de conhecimento sobre a renúncia, não restou à prefeitura outra alternativa senão reconhecer, administrativamente, que como não havia mais propriedade, o espólio deveria “ser excluído da condição de contribuinte do referido imóvel”, com o imediato cancelamento do lançamento de IPTU. A solução foi, portanto, rápida, barata e definitiva, não subsistindo mais qualquer obrigação tributária dos herdeiros.